
Quando o racismo acontece no ambiente virtual, é chamado de cyber racismo. Esse tipo de racismo pode se manifestar de diversas maneiras, incluindo piadas ofensivas, xingamentos, assédio e comentários públicos que incitam hostilidade contra grupos específicos na internet. No Brasil, que está entre os cinco países com maior número de ocorrências, as denúncias de racismo online são alarmantes. A Central de Denúncias da SaferNet Brasil processou mais de 606.000 denúncias de racismo online nos últimos 17 anos, abrangendo 112.035 páginas distintas.
Nos Estados Unidos, estima-se que 1 a cada 4 pessoas negras enfrentam assédio online devido à sua raça, e o número sobe para 1 a cada 2 entre jovens. Além disso, um estudo canadense indicou um aumento de 600% no uso de linguagem intolerante na internet em apenas um ano.
O cyber racismo pode se manifestar de diversas maneiras, mas os quatro tipos de discursos racistas mais comuns nas redes sociais são:
- Estereotipação: Estereotipar significa criar uma imagem fixa e simplificada de um grupo de pessoas, baseada em preconceitos. No ambiente online, isso pode ser visto em memes, piadas ou postagens que perpetuam clichês negativos sobre uma população específica.
- Bode Expiatório: Ocorre quando grupos raciais ou étnicos são culpados por problemas sociais ou econômicos. Na internet, isso se manifesta em postagens e comentários que responsabilizam essas comunidades por crimes, crises econômicas ou outras dificuldades.
- Alegações de Racismo Reverso: Alegações de racismo reverso envolvem a afirmação de que políticas ou ações destinadas a apoiar grupos historicamente discriminados são, na verdade, discriminatórias contra o grupo majoritário. Online, isso se manifesta em debates e postagens que criticam medidas de inclusão e equidade, como cotas raciais ou programas de diversidade, alegando que esses são injustos com as pessoas não pertencentes a grupos marginalizados.
- Câmaras de Eco: As câmaras de eco são ambientes online onde as pessoas só são expostas a ideias e opiniões semelhantes às suas próprias, reforçando seus preconceitos sem desafios externos. Grupos em redes sociais ou fóruns que excluem opiniões divergentes criam essas câmaras de eco, tornando difícil a promoção de um diálogo saudável e diversificado.
Os principais desafios enfrentados no combate ao cyber racismo incluem:
- Delimitação do Racismo: Muitas vezes, o racismo é reconhecido apenas em suas formas mais evidentes, como insultos diretos e ataques explícitos. No entanto, ele também pode se manifestar de maneiras mais sutis, como piadas ofensivas ou comentários que perpetuam estereótipos.
- Materialidade e Autoria: Em ambientes digitais, pode ser difícil provar quem está por trás de um ato racista e reunir evidências suficientes para responsabilizar essa pessoa. A internet oferece uma camada de anonimato, o que torna o processo de denúncia e ação legal contra o cyber racismo mais complicado e moroso.
- Liberdade de Expressão vs. Discurso de Ódio: Encontrar o equilíbrio entre proteger a liberdade de expressão e combater o discurso de ódio é um desafio constante. As plataformas digitais e os legisladores precisam trabalhar juntos para definir nitidamente o que constitui discurso de ódio e como ele pode ser controlado sem infringir a liberdade de expressão.
- Nocividade do Alcance: A internet tem o poder de espalhar informações muito rapidamente, o que significa que o racismo online pode alcançar um grande número de pessoas em pouco tempo.
Enfrentando o Cyber Racismo: caminhos para combater o ódio online
Para combater o cyber racismo, é fundamental que plataformas digitais adotem políticas rigorosas e medidas de moderação robustas. O Human Rights Watch divulgou um relatório apontando que plataformas digitais falham em lidar com ou remover de maneira eficaz esse tipo de conteúdo, sugerindo que elas não estão aderindo aos seus próprios padrões ou possuem políticas inadequadas para lidar com conteúdo racista.
A luta contra o ódio na internet deve ser um esforço conjunto entre provedores de mídia social, a comunidade online e as autoridades. Aqui estão algumas recomendações para cada grupo:
- Provedores de Mídia Social: As plataformas devem tratar seriamente as denúncias de conteúdo odioso, equilibrando princípios como liberdade de expressão, dignidade humana, segurança pessoal e respeito à lei.
- Comunidade Online: Os usuários da internet devem trabalhar juntos para combater as consequências prejudiciais do ódio online. Isso envolve criar e apoiar estratégias eficazes para construir contranarrativas, desafiar o ódio e aumentar a conscientização sobre o problema. Compartilhar conhecimentos e colaborar na criação de materiais educacionais que promovam o pensamento crítico nas atividades online é fundamental.
- Autoridades: As autoridades têm um papel essencial na denúncia e combate ao ódio online. Isso inclui relatar conteúdo odioso às entidades competentes quando necessário e trabalhar em conjunto com plataformas e comunidades. O Primeiro Protocolo Adicional à Convenção sobre o Cibercrime: define material racista e xenófobo, criminaliza ameaças e insultos motivados por racismo, e estabelece a necessidade de medidas nacionais para combater esses crimes.
Embora grandes plataformas como o YouTube, Facebook, Instagram, X (Twitter), TikTok e Reddit tenham adotado políticas e ações para combater o cyber racismo, muitas vezes essas ações são insuficientes ou inconsistentes. É crucial que essas plataformas cumpram rigorosamente suas próprias diretrizes e aprimorem continuamente suas ferramentas de detecção e resposta.
Combater o cyber racismo exige uma abordagem multifacetada que envolva a colaboração entre plataformas digitais, governos e sociedade civil. Políticas de moderação precisam ser nítidas, rigorosas e eficazes, incluindo a denúncia de conteúdos odiosos, a criação de contranarrativas, a disseminação de informações úteis e a pressão sobre as empresas de tecnologia para ações mais contundentes. Além disso, a educação e a conscientização sobre os impactos do racismo, tanto online quanto offline, aliadas à promoção de um ambiente digital inclusivo e respeitoso, são essenciais para enfrentar e erradicar o racismo no ambiente virtual.
Saiba mais
Este artigo é informado por uma das diversas respostas rápidas realizadas voluntariamente pelo Instituto Veredas para órgãos do governo federal que, no ano de 2023, estavam em busca de evidências para apontar os melhores caminhos para enfrentar alguns desafios. A pesquisa que inspirou este artigo você encontra aqui.
Victória Paulo Menin é psicóloga, especialista em Saúde da Família e Comunidade, mestranda em Psicologia Social e Institucional e pesquisadora do Instituto Veredas. victoria@veredas.org
Fonte: Revista Parêntese, Matinal Jornalismo